quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Multiplication Rule

I finally found the cause

of my intensities:

my disbelief in an afterlife

as we think we know it

makes me lustful



(...intensity multiplies time...)



my minutes - stretch them

make 'em hours

my hours, make them days

my days, turn them into years

years? make 'em eternal.



- I'm thirsty for meanings



AMSC - New York, 12/15/2009

sábado, 12 de dezembro de 2009

Soul Subversion

Weakness does not have a place anymore

Shake-off what made you weak

Internal frailty does not have a place

In the harsh world

Where competition

and survival

are the tone.



Toughen up; don’t be scared

the little boy that was afraid of life

does not have to be.

Humiliation originates within

it’s not an attribute of outer forces.



Shake-off what made you weak:

your absolute necessity

for people to like you.

Moral

Self

Mutilation

is no more.


AMSC – New York (Amtrak, 12/11/09)

The day that I almost died

Life’s fragile – especially when you pursue the wild side of things.

Subway station, silence

rats were all over the place.

In Brooklyn waiting for the G train

4 am

heavy air.



Me and my wingman friend decided to cross the tracks to the opposite side,

defying boredom and death.



But we deliberated – even drunk

that it was probably a stupid thing to do:

we would trip fall down and be electrocuted

so we decided to wait ‘till another day

when ethanol is low in our bloods and reason clear

to try the deed without any fear



AMSC – New York, 12/12/2009

domingo, 29 de novembro de 2009

Amnesis

I scatter poems to all sides



no memory, no archives



no worries about biographies for now



(maybe just a little)



I'm at the edge of dispersion.



http://www.smith.edu/calc/amnesia/manifesto2.html



AMSC - New York, 28/11/2009







Amnesis



espalho poemas por todos o lados



sem memória, sem arquivo



por ora não estou preocupado com biografias



(talvez só um pouquinho)



estou a ponto de dispersão



http://www.smith.edu/calc/amnesia/manifesto2.html



AMSC - New York, 28/11/2009

Tentativas

queria dominar o desenho

roubar rostos

olhares

pessoas que me cercam

(tomam comigo o trem para o norte – morte?)



mas só sei de palavras, silentes

mal e porcamente

e uma caneta azul que arrisca



AMSC, New York – 11/28/09

Documento 3

quero liberdade

liberdade dos meus medos

segredos

segredos que escondo de mim

- qual o seu maior medo?

ser pálida sombra de quem fui

sombra

triste espetáculo do tempo



mas a super-nova que te sussurra verdades acertou:



medos se fazem pedra

na aurora da mente

que ocupa-se deles em demasia



seu mundo passa a ter a presença indesejada

e tudo que você faz ou vive

grita aquele horror

Poema do Norte

Hoje, sem condição de nada:

aproveitar esse feriado que não é meu

amigos que não são meus

música que não me toca.



Um telefonema de um encontro

que não é mais para ser

e tudo passa a pendências

tristeza – caminho errado sendo retomado.



Em mais este poema do Norte

escrevo meu descompasso

minha falta daquilo tudo

que me fazia alguém...

hoje sou sombra.

Thanksgiving

Escolho uma escada fria para escrever.

Na cena sorrisos, trabalho –

um peru sendo empalado.



Pendências me tomam,

uma visita em janeiro muda tudo.

basta a expectativa da visita,

e já muda tudo! Incrível...



Porquê não fazemos o que deve ser feito?

É tão claro quando não deve mais ser...

amores que se arrastam

causando mais dor do que prazer



O gato me entende. Passeia ao lado

da minha tristeza,

tantas lágrimas suprimidas

me olha na alma e diz:

aquilo que nunca começou

não pode nunca acabar – mas veja lá:

não existe nesta vida, poeta

amor que foi sem começar

 
AMSC – Brookling, New York


11/28/09

domingo, 25 de outubro de 2009

Big Apple

Volto à pena. Que pena, pois queria cantar
palavras e poesia me parecem menos do que preciso
para dizer certa autenticidade.

Falar de falta é óbvio demais. Não quero -
preciso falar do imprescindível:

uma certa angústia de não pertencer
um descompromisso quando se faz música
ou o amor que se tornou tóxico.

- Um pouco de asfalto, por favor.

Preciso falar de um certo sentimento
que mal sobrevive à intolerância da
cidade mordida por ódio e vermelho.

AMSC - New York, 10/26/2009

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

In the subway, I was observing a bunch of teens texting their life away in cell phones and I thought of a bunch of issues related to our present times. It started with the invention of telegraphs, everyone: the world since then - and particularly nowadays - is ever more virtual. We make skype calls, we text a lot, use our cell phones, our email accounts, woah! We spend most of our time each day in front of a virtualizing gadget. Life does not happen in the present anymore, and that's because we are in a different time, place and "mind". In other words, the three dimensions of the present, namely temporality, spatiality, and "mind dimension".
The virtualization of the world is taking us far from the minutes we are actually living, from the place we physically are (this afternoon I was crossing the streets and texting, without being aware of my surrondings - a car accident could easily happen...) and from the connection of these both through our mind, since we are always thinking about something else - appointments, deadlines, grades. This too takes us away from the here and now. It's becoming increasingly difficult to answer "where are you?" when asked; imagine "who are we? Where do we come from? Where are we going?". Such a shame for philosophy.
Humans in the present are gradually substituting their concrete/physical ways of relating to each other to more virtual ways. Kids are playing games that actually simulate relationships (The Sims); virtual social networks are literally everywhere. People often live in the same house but don't talk to each other.

Is this increasing virtualization a form of Social Virtual Capital? Does it have the same inherent neutrality that the traditional Social Capital concept has? Can we use it for health promotion/disease prevention? Can we manage somehow to be free from those trends of virtualization, or it's something that we have to adapt and learn to live with?
Many questions. Few answers. Don't mind if no one responds. After all, virtualizations don't substitute real conversations.

Alê

domingo, 12 de julho de 2009

Marina da Glória (Cais Nobre)


Quero uma vida de cais
onde as tardes alaranjadas
refletem-se na água

quero uma vida de cais
leve balanço
ouvindo os marulhos preguiçosos

quero uma vida de cais
com seus barcos de nome engraçado
dormindo em espera.

Mas...

Quero uma vida de mar também
sem pressa, sem motores
muito vento

quero uma vida de mar
onde minhas mulheres entendam
a necessidade de partir

quero uma vida de mar
sem fundeadouros, espias
nada.

Quero viver e morrer de mar
preamar de sizígia
para então morrer de amor
na melancolia da baixamar

amsc - 09/07/2009

domingo, 5 de julho de 2009


Às Moiras Cloto, Láquesis e Átropos

“Poesia é desfiar o dia”


Hoje tive uma estranha sensação

algo que já carregava há tempos

mas que só agora percebi estar dentro...

senti a vida sem mim


mares cartografados de cabo a rabo

onde eu brinco de fingir que escolho –

senti a vida sem mim


conversei fora a angústia existencial

do caminho que não é meu, que só parece;

– Onde já se viu?! Jogar a vida cumprindo tabela

em um mundo onde tudo é decidido por mim?


Ah! quero o peso da caneta verde na mão

traçando linhas, sorrisos!

Quero a tinta que picha meu possível

saindo da minha caneta

e não de parcas porcas que só sabem fiar

mas não sabem desafiar o tempo.

Elas entendem de corte e costura

porém nada de poesia...

assim,

com a fiação do meu destino;

a partir de hoje eu escrevo

– e prescrevo –

os meus caminhos.


AMSC - 04 & 05/07/1983-2009

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Chocolate Quente

Para o poeta Daniel Laks (obrigado)

Sono-solidão, poema em construção.
Banco verde, rodoviária imensa
cheia de chão, brilhos e fartas mudanças
dormindo pelos cantos.

- Um chocolate quente pra viagem, por favor

E todos precisamos de um pouco de nós
só nós
para nos sentirmos.
Onde eu estava, meu deus?

Música atordoante, que vontade de fazer a minha
uma canção perfeita antes de envelhecer
tudo que eu queria...
Mas não sou bom para sons e silêncios
sou apenas um bando de ecos
poesia
(...ia... ia... ia)
pena pouca que não dá conta.

...O chocolate quente esfria no clima de São Paulo...

O que eu faço com este sentimento todo
comprimido dentro de mim?
Parece que some
na Billie Jean que principia
e nas famílias que vão e vem sem fim.

...O chocolate agora é frio como a espera de São Paulo...

Sem querer me redescobri gente
na madrugada da garoa paulista
mas foi por tão pouco
tão pouco...
só o tempo do chocolate quente esfriar

domingo, 14 de junho de 2009

Marinharia

Nós que trançam tramas, sonhos, trapaças, destinos.
Não quero cabos ou amarras.
Quero tuas mãos hábeis nos meus cabelos.

Nós que somos nó embaixo da mesa,
embaixo dos panos, embaixo de tudo,
baixo.
Balde chutado escada abaixo!
Nós que seguram na medida tênue da segurança da vela,
estufa o peito, arde!

Andrada abre os braços dos teus mares!
Salta pois que o abismo é certo, como é farto o colo da sereia.
Nós e a arte de ser nós.
Nós e a alma inquieta e louca que sai na rua bêbada de mar,
e rota de poesia.

Nós e certo calor, que vêm sei lá de qual tormenta?!
Nós, apenas nós, silenciosos nós e a vastidão do tempo que tarda.
Nós e qualquer nota tirada de uma viola embriagada, nós.
Nós e um verso falso jogado a esmo,
largado ao léu, um verso torto, dito de supetão e de revés,
um verso que não deveria ter sido achado, uma sentença.

Somos nós, sinto muito. Somos nós, demasiado nós!

Lobo do Mar

Te amo, te sinto, te falto.
Meu barco não tarda nesse porto,
meu tempo é sobressalto.

vou indo (de novo).

Por isso não amo inteiro;
a contravento navego
Todos os anos, com o mar cheio.

Lobo do mar sente enjôo em terra firme.

AMSC - 14/06/2009

terça-feira, 2 de junho de 2009

Soulman (comunhão)

Para Maestro Silvio Barbato & José L. Santana


Começo meio filósofo,
com medo de ser chato:
quando a arte encontra sua maior expressão?

Bom, não é fácil de entender não
até difícil de explicar
mas tento: é quando.

Quando comunica para além de bons ou ruins ordinários
para além de estéticas, simetrias, feiúra
- ou mesmo técnica.

É quando na liberdade. No sublime. No cagar pra expectativas;
onde tudo flui, onde tudo e todos fluem,
acontece. Delicada e raramente, acontece!

Então comunicamos a alma humana
e o mundo comunga.
Cuidado! Qualquer dissonância lava longe o milagre.


AMSC- 02/05/2009

sábado, 30 de maio de 2009

A Presença de uma Ausência (Alimentar)

Querida Dalva,Grant,Valéria,Clotilde e Vera Halfoun:

Hoje, não havia comida em casa; era tarde da noite, e nossos estômagos experimentavam a ausência. Ficamos à deriva, sem saber o que fazer ou a quem acorrer. Decidimos pela pizza do centro de Piraí. Seria nossa salvação. Pegamos o telefone da pizzaria e o cardápio, mas antes escolhemos - por votação - as pizzas. Afinal os valores democrático-liberais da contemporaneidade ocidental são valorizados em nosso seio... portanto um processo co-participativo Foucaultiano-like se deu, e este foi o resultado: as pizzas escolhidas foram

1 Pizza de Quatro Queijos
1 Pizza Lombo Canadense
1 Pizza Marguerita Totalizando 5 pizzas (tamanha era nossa fome)!!!
1 Pizza Toscana
1 Pizza Verena

Ligamos. Ninguém atendeu. TúTútú, TúTúTú... nada. A morte riu e achegou-se neste instante; inanição o caminho aparentemente inexorável. O desespero tomou conta quando a comissão de nobres cavaleiros regressou da demanda pizzerífera de mãos vazias, pois a taverna havia fechado. Mãos VA-ZI-AS. AHHHH! As damas não acreditaram de princípio. Achavam que estávamos de sacanagem, brincando com a cara delas. Eiji, o de melhor caráter, foi chamado para dar credibilidade à história, que foi corroborada por suas palavras.
Tensão. Algumas acadêmicas pensaram em desistir. Nesse ínterim, o Príncipe Tupiniquim Alê e o bravo Príncipe Tuberculoso (fala garoto - Rodrigo) clamaram o nome do Senhor:

KIKÃOOOO!...
KIKÃOOOO!...

KIKÃOOO!... KIKÃOOOO!...

KIKÃOO!...

O mantra começou a contagiar os demais, e a fé retornou aos corações. Oramos pelo celular do Príncipe Nipônico um pedido:

- 3 X’s Saladas 3 Latinhas de Coca-Cola Zero
- 2 Picanhas Tudo s/ Bacon 5 Garrafinhas de Coca 600ml
- 1 X’s Peito s/ tomate
- 4 Picanhas Tudo
- 2 X’s Tudo (Totalizando a incrível quantia de R$ 99,70...)
- 1 Picanha 3 Queijos
- 2 X’s Burguers

O pedido ao céu e pelo céuphone foi prontamente atendido. Nossas preces foram respondidas! nossos temores de marasmo/kwashiorkor, vaporizados! A vida se renova! a vida se renova!... Urra! Urra!
E de fato ela se renovou. As pessoas presentes no baile da corte do castelo 103 voltaram a sorrir; afinal o terror já não fazia mais parte do cenário de suas almas, e a esperança retornara ao seu trono de direito. E como ela era bela, aquela cinderela. Como era bela...

FIM! - 28/05/2009 & 30/05/2009

domingo, 24 de maio de 2009

Sibila

Descobri uma verdade neste sábado
uma verdade pela boca de uma mulher.
A sibila me afirmou à beira-mar
que eu não era confiável.

Ela tem razão.

Só se pode confiar em algo ou alguém previsível
E eu não sou previsível...

Assim, eis a soma:
Não sou partido pra casar,
Sou partido pra amar (e ponto final).

AMSC – 25/05/09

segunda-feira, 11 de maio de 2009

A Bolha

À Carolina Hammes Torres


Temos medo de perder
por isso não nos olhamos como deveríamos.
Um olhar penetrante e envolvente
enlaça
e romper laços é algo trágico (será mesmo?).

Temos terror de perder
uma mão quente, uma boca convidativa
um momento inesquecível
e assim fugimos, evitamos a vida
buscando refúgio na bolha:
ela nos protegerá da lâmina do tempo.

Como paga, entretanto
a bolha levará teu coração para um limbo plástico e descartável
onde os segundos são desperdício
e as pessoas substituíveis.

Que a bolha - a sua, a minha, a nossa bolha
seja feita só de água e sabão
para que ao mais suave toque, sopro ou beijo
-pop!-
deixe de ser carceragem do que realmente importa.


AMSC - 10 & 11/05/2009

domingo, 10 de maio de 2009

Claire de Lune...

...doces lembranças não se vão com os anos...

Daisy e João e Alê - 28/12/2006 & 10/05/2009

Cansaços

Até de cansar você vai cansar;
então,
a vida se renovará em poesia.

Flores que buscam livros
caídas do céu em seu tempo
mostram que não há nada perene

- Pulou no seu colo, justo no seu,
rosa!

Como um poema que pulula no abismo do poeta.


AMSC - 10/05/2009

Prescrição

Ficar no mar
Até o coração se lavar
Até a mente se soltar
Até a sereia me beijar:

Essa é a prescrição para uma vida quebrada
recomeçar.

AMSC – 23/12/2008, no mar do Leme

Ishmael e a Caça a Reyna (ou Moby Dick do século XXI)

Parte I

Prólogo: Taverna Magella´s, 6:00pm. Marinheiros bebendo e conversando nas mesas; algumas meretrizes buscando ganhar o pão; entra então um grupo pequeno e senta-se na única mesa disponível, onde já existe um ocupante... acomodaram-se e de bate-pronto ele começa a falar, como se precisasse compartilhar um segredo há tempos...
Primeiro Ato: Meu nome é Ishmael. Pode me tratar assim. Acabo de chegar das terras do Norte, trazendo ainda um pouco de vento frio em minhas narinas. Sou baleeiro, aye! e minha vida é caçar baleias: cachalotes, orcas, baleias-francas, jubartes, todas as gigantes do mar. Sim, só vou atrás das incomensuráveis, pois só elas podem me dar sustento existencial; só elas refletem o tamanho do espírito humano que carrego comigo; só elas podem espelhar o tamanho do coração de um poeta. Trago em minha mão esquerda um afiado arpão com o qual lutei bravamente no dia 04/04/2009... um dia memorável. Aye! E além do cheiro de mar e do corpo cansado, trago uma grande história que se vocês quiserem, não me importo de contar... Saí da Terra Brasilis há duas semanas, voando em um pássaro de aço fantástico em busca do meu destino: caçar o Leviatã Moby Dick. Já ouviram falar dele? Esta criatura descomunal, maior que o Hospital Clementino Fraga Filho, jamais havia sido vista ou caçada por nenhum membro da Casa FM de valorosos baleeiros. Tomei o desafio para mim de perseguir a fera, pois estava cansado de alguns ridículos pescadores de sardinha travestidos de ´´Grandes Caçadores do Mar`` e suas lorotas fétidas. Eram poucos mas barulhentos, e sobretudo não sabiam o quão mesquinhos e pequenos eram: não tinham interesses ou sonhos maiores que eles mesmos e - vejam só! - as víboras caçoavam daqueles que eram ligeiramente diferentes da imagem esquizofrênica que viam todo dia no espelho. “Narciso acha feio tudo aquilo que não é espelho”, diz o ditado da música popular... Moby Dick era sonho, mas também recompensa. Nas praças públicas e mercados, havia um preço de 50.000 xelins pelo monstro. E eu precisava sobreviver. Precisava pagar meu sustento diário e pagar também minhas aspirações de adentrar na Escola de Sagres (hoje chamada New York University), onde gostaria de aprender tudo sobre Global Public Health e suas relações com a vida no mar. Havia também um fundo material no meu atiramento em busca de Moby Dick, não posso ser hipócrita; mas também havia muito prestígio em jogo, a capacidade de arranjar trabalho em qualquer embarcação no ramo de empreendedorismo social/saúde pública, e a promessa de uma vida plena de significado. Apelidei M.D. de Catherine B. Reynolds Foundation - ou simplesmente Reyna - pois me pareceu um nome mais carinhoso e atraente. Não curto Moby e muito menos Dick, diga-se de passagem, e nós marinheiros temos essa tendência de chamar nossos objetivos por mulheres: é a nossa maneira de estar sempre a perseguir nossos mais selvagens sonhos! Suspeitava-se que Reyna estava no Atlântico Norte, próximo a Manhattan, e sem pestanejar fui em sua caça. Fui preparado, é claro: tinha dentro da cabeça uma idéia chamada ´´Luz, Câmera... Ação em Saúde!``, desenvolvida no porto belo de Piraí em parceria com o LADEC/IGEO e com o LVE/NUTES, portos da ilha do fundão. Esta idéia aprimorava a Saúde Pública de maneira inovadora e barata, reproduzível em larga escala, sustentável, enfim: uma idéia bacana! Daquela idéia danada de boa, fiz com amigos um arpão afiado de 5 m de comprimento chamado AQUARIUS e outro mais afiado ainda (até difícil de empunhar), medindo 7 m de comprimento, chamado PRÍNCIPES E PRINCESAS TUPINIQUINS. Armas perfeitas para a hora do combate com Reyna! Sem medo da morte, embarquei no pássaro de aço American Airlines e fui, sem saber o que iria encontrar...

Ishmael e a Caça a Reyna (ou Moby Dick do Século XXI)

Parte II

(Ishmael está no avião. Turbulência forte, classe econômica)

Não olhei para baixo. O pássaro AA metálico remelexia muito, estavamos próximos de um furacão tropical. Meu frombis piscava apavorado, a barriga em franca agonia; seria o serviço de bordo ou a expectativa da queda, do abismo, da morte? Não tinha a resposta, e talvez nunca a teria. Foda-se também, não estou nem aí para respostas: sempre fui um homem de perguntas. Muitas perguntas! Elas é que abrem horizontes, ao invés de cercear possibilidades. Fechar. Fechado. Cuidado. Aqui jaz um intelecto. Por isso, sempre amei as perguntas... afinal quem não sabe perguntar não sabe responder. Toda aquela balbúrdia parecia meu estado de alma. Como a vida encontra meios humorísticos de nos colocar no nosso lugar!... pássaro de aço no olho do furacão! Ah, quem diria! mas naquela hora, caros amigos, não tinha retorno. Nunca há. ´´Feche os olhos e sorria de soslaio!``, pensei; que a morte me encontre rindo! Mas é incrível como ficamos mais medrosos para vôos celestes à medida que o tempo passa. Quanto mais velhos, parece que nos tornamos mais inflexíveis, rijos, tensos. A alegria já não faz parte dos minutos. - ´´Leveza é coisa de gente que não é séria!``, já cheguei a ouvir em alguns portos sombrios e miseráveis. Quanta merda! Seriedade não tem nada a ver com sisudez! Iemanjá minha mãe-sereia, tenha piedade desses adultos, cópias inquebrantáveis do cidadão de bem! demiurgos da honra e do sucesso! Alas! Alas! Tenha piedade, pois eles tem muitas promessas... o mar segredou pra mim, sabe mãe-sereia, que a vida teima em nos fazer andar fora da linha dos planos. Brigamos com ela. Brigamos feio. Pouco a pouco, a brisa já não leva a imaginação para longe, e aos poucos vamos perdendo a capacidade de sonhar. Culpa da terra, culpa da terra: ela nos prende em raízes secas. Por vezes até raízes úmidas, gangrenadas; muita terra gera lama em nosso coração. Toda vez que começo a me sentir assim, pantanoso, busco o mar. Salve as sereias, salve as ondas, salve - é claro - as baleias, salve o Betão (que Poseidôn o tenha), salve o mar! Ah, Lembro dos dias em que passava horas na proa, sentindo a vida à barlavento das minhas preocupações, pensando na tristeza dos homens do asfalto....................(PA) - ´´Welcome do John F. Kennedy International Airport; thanks for flying AA. Please remain seated and buckeled up while the plane is still in motion. Please refrain from opening the overhead compartment without......`` o pássaro havia chegado. Fazia frio e suas penas estavam gastas pela temperatura. Desembarquei. Peguei uma carro-agem amarela-ovo e fui à estalagem que iria abrigar meu corpo naquela noite. ´´Hospedagem Da Mammis``, dizia o letreiro. Bom, o nome era sedutor. Entrei sem demora. Pedi um quarto, foi-me arranjado de imediato um. A proprietária, uma doce mulher nos seus cinquenta anos, fazia todo o cerimônial para o neo-hóspede. Agradeci a cortesia, falei que não queria jantar, que somente queria repousar o espírito. Ela então retirou-se delicadamente do quarto, desejou boa noite e fechou a porta atrás de si. Deixei a esfarrapada sacola náutica no canto, com todos os meus poucos pertences de valor - meus amigos, minha família, meus amores, meus discos, minha poesia, meus princípios e valores, minhas memórias, meu presente e meus devaneios de porvir. Minha alma é leve e viaja leve, caros forasteiros. Deitei. Só recobrei os sentidos com o sol da manhã seguinte.

Ishmael e a Caça a Reyna (ou Moby Dick do Século XXI)

Parte III

O sol ofuscava minhas retinas, pois a manhã era alta. Não tardei no processo de acordar: ergui meu corpo, fiz minha toalete matinal, vesti a cueca furada do avesso – afinal, sempre fui uma criatura avessa às regras –, o restante das roupas, meu saco náutico nos ombros, e desci para acertar com a casa. Minha angústia aumentava a cada segundo que permanecia em terra firme. Tinha que ir embora logo. Queria ver a linha do horizonte que só o mar delimita bem. Paguei o que devia, agradeci a gentileza da hospitalidade, e retirei-me da “Hospedagem Da Mammis”. Andei em direção ao cais da cidade, sem delongar, e em pouco tempo consegui trabalho em uma embarcação baleeira que estava prestes a zarpar. Contei do meu propósito, os marinheiros riram um pouco da minha audácia. Caçariam baleias, e não lendas. “Mas se você der sorte e encontrar com Reyna, o leme e a condução da caçada será toda sua!”. Concordei feliz, por ter uma embarcação apropriada para meu propósito.
Chamava-se Victory, em homenagem ao famoso navio-de-guerra inglês que batalhou arduamente na batalha de Trafalgar, onde o almirante Nelson foi atingido e morto em ação. Esta é uma foto da vista de popa do navio; tirei pouco antes de sair para alto-mar. Embarquei, fui atrás de meus aposentos no porão, arrumei minha tralha. Tudo estava pronto, nada mais me prendia. Fiquei rapidamente amigo do restante da tripulação, e quando dei por mim já estávamos longe do cais, no infinito azul-esverdeado.
Os dias se passaram, e só pensava em me preparar. Porém ninguém – muito menos eu mesmo – sabia como preparar-se para algo que não se tem a menor idéia. Reyna era de fato uma lenda, e os poucos que já entraram em combate com ela, ou não sobreviveram, ou eram tidos como contadores de história pelo resto do mundo. Nada era confiável. Todos os depoimentos, desencontrados.
Preparei-me então como pude, afiando meus arpões e cultivando a idéia-estratégia em meu espírito. O projeto “Luz, Câmera... Ação em Saúde!” estava bem sólido, sustentável, escalável e inovador, exatamente como Reyna gostava. Seria a isca perfeita, e quando ela estivesse próxima, bem próxima, minhas adagas do mar transpassariam seu coração ignóbil. Muitos amigos e conselheiros, vendo minha paixão pela Baleia-Mistério, ajudaram-me no preparo: sejam no navio, seja através de pombos-correio virtuais, chamados EMAILS. Traziam de longe dicas de luta e muito encorajamento. Até pombos-correio da minha saudosa Terra Brasilis chegaram! Alvíssaras e alento sua mensagem principal.
No entanto, a tensão do preparo foi avolumando-se, e quando percebi degladiava com um inimigo provavelmente mais cruel e sanguinário que Reyna: eu mesmo. Fantasmas trafegavam livremente em minha mente, suas vozes guturais gritando: “Esquizofrênico! Maluco!”, “Nunca vai ser um bom médico!”, “Ridículo, desprezível!”, “Fracassado! Eu sou melhor que você, você é um merda! Você não é nada!”, “Nós, os bundinhas, é que temos a verdade do que é ser bem sucedido! Nosso modelo é o correto! Seu inapropriado!”, "O que você faz aqui? Você não é bem vindo nesta Casa".
Ah! Eram as vozes dos pescadores de sardinha, aqueles tolos cujas almas cheiravam a estrume... sabe? por muito tempo comprei suas falácias, suas vilezas; acreditei naquilo que eles diziam sobre mim – esse talvez o maior erro da minha vida. E por isso sofri e perdi muito. Atordoado e em desespero, comecei a perder o fogo nos olhos e – mais uma vez – acreditei naqueles seres torpes cujos nomes me detenho de mencionar, pois blasfêmias são contra a boa fé e... se o fizer, minha boca corre o risco de cheirar a cocô. E ninguém merece ter bafo de cocô; por isso mais não digo. O resto é o resto.
E foi quando aconteceu...

Ishmael e a Caça a Reyna (ou Moby Dick do Século XXI)

Parte IV

Do fundo de meu poço, escutei de repente muitas vozes, novas vozes: eram humanas, delicadas, quentes... doces! Diziam o contrário do que as gárgulas enxofrentas acusavam! e não só isso, apontavam algo de errado na bússola que carregava comigo; deram a entender que havia algo de muito viciado e corrompido nela. Algo podre.
Em pouco deixaram de ser só vozes e passaram a figuras, rostos. Eram fadas púrpuras, princesas angustiadas, leões altivos, magos arcaicos, palhaços inominados, morenas que requebravam como ninguém, um pompom-coelhinha, asnos de penas, pediatras da Columbia University, molhos Rosé, uau! ó céus! Quantos! Vieram todos como fechos de sabedoria e luz em meu socorro! Pude identificar vários semblantes! Ó meus queridos mestres da Escola de Curandeiros do Fundão (de todas as distinções e hierarquias)! meu clã-malaxahulense, minha família toda, meus amigos da faculdade! minhas vivências construtivas e destrutivas e seu balanço final bem positivo! e... meus pacientes. Nesse momento não pude conter meu choro de homem do mar – meus olhos ficaram totalmente marejados. Vieram me trazer a palavra. O verbo. Todos que já tinham sido atendidos por mim nesses anos todos, coisa de algumas centenas: adultos, neo-natos, já falecidos, idosos, gestantes, mulheres, crianças, ah! Principalmente as crianças! Elas riam e sorriam espalhando candura à minha tormenta interna.
Pude decifrar sua mensagem: todas as pessoas e coisas que realmente tinham valor em minha pequena existência estavam lá falando ao meu ser, para que eu “NÃO NAUFRAGUE OU ACREDITE NAS ABERRAÇÕES COCÔZENTAS! NOS DEMÔNIOS DISFARÇADOS DE GENTE! ALAS, FILHO DE OGUM! SUA HORA CHEGOU! DÊ A VOLTA POR CIMA E SOLTE UM PUM NO MUNDO! E QUE ESTE PUM TENHA COR LARANJA E CHEIRO DE LAVANDA! HOMEM, SUA ALMA É VERDE! VERDE! VOCÊ SEMPRE FOI UM DUENDE VERDE! DEIXE PARA QUEM NÃO TEM COR E CRIATIVIDADE PARA VOAR MORRER NA MESMICE, REPETINDO A REGRA E O SOCIALMENTE ESPERADO: NASCER, CRESCER, CASAR, GANHAR DINHEIRO, REPRODUZIR E MORRER!”
E tudo virou silêncio e calmaria. Uma sapiência divina inundou minha psique, e de repente eu Soube. Soube do paradoxo psicanalítico, que versa da tendência humana de dar mais valor e peso às críticas do que aos elogios (é necessário um elefante de louvores para contrabalançar uma anódina censura); Soube que o maior norte na medicina é o paciente, e se ele acha você incrível, siga a sua dita; Soube que tudo de ruim que diziam sobre mim era aleivosia e que, na verdade, eu era phodda com ph e dois d’s mesmo; Soube que meus inimigos tinham pirú pequeno e vulva atrofiada; Soube que a bússola que eu carregava em meu peito estava corrompida e viciada pelas crenças torpes que comprei; Soube de todo o assédio moral que tolerei; Soube de toda a vida que perdi seguindo esta bússola vil e sem perspectiva do que realmente importa. Não hesitei! abri a escotilha e joguei fora aquela antiga agulha magnética. Vi a peça afundar até as profundezas, deixando um rastro de bolhas negras à medida que ganhava braças e braças de nunca mais.
Os marujos desciam correndo do convés, dizendo em sobressalto que a maior tempestade que eles já viveram acabara de passar. Perguntaram se estava tudo bem comigo, se eu havia me machucado com o chacoalhar do navio; onde eu afinal estava enquanto o mundo caía... ao que permaneci silente. Apenas pensei comigo mesmo que a maior tempestade estava dentro de mim. Não senti chuvarada, nem os vagalhões da fúria externa. Meu mar era paz e calmaria; era certeza de quem eu era, de onde vinha, e para onde estava indo. Com direito a todos os “porquês” e “para quês” de uma vida com sentido.
Foi quando vi no sopé da escada que levava ao convés, um objeto brilhando. Emitia um brilho tênue mas forte; bem nítido! parecia um farol de milha daqueles que orientam as naus e galeras quando falta iluminação no mar. Tomei o objeto, era uma bússola! Dizia em seu verso:
ὁ Φάρος της Ἀλεξανδρείας (O Farol de Alexandria) era uma torre construída no Século III a.C, na ilha de Faros em Alexandria, Egito, para servir como marco de entrada do porto desta cidade e, posteriormente, como farol. Considerada uma das maiores produções da técnica da Antigüidade, foi construída em 280 a.C. pelo arquiteto e engenheiro grego Sóstrato de Cnido a mando de Ptolomeu.
Sobre uma base quadrada erguia-se uma esbelta torre octagonal de mármore com uma altura que variava entre 115 e 150 metros de altura, que por mais de cinco séculos manteve-se entre as mais altas estruturas feitas pelo homem. Em seu interior ardia uma chama que, através de espelhos, iluminava uma distância que chegava a 50 quilômetros, daí a grande fama e imponência daquele farol. Fizeram-no ser identificado como uma das sete maravilhas do mundo antigo por Antípatro de Sídon. Este amuleto é feito com relíquias do Farol. Que seja ele sua orientação, caro peregrino-do-mar.
Fiquei assombrado com tudo aquilo. Presente de quem? Iemanjá? Poseidôn? Chronos, o presente do presente? Ainda bolado, subi no convés, e a nova bússola já apontava definitiva para sudeste. Seria onde Reyna estaria me esperando? Seria lá o lugar da liberdade plena? Convenci os demais tripulantes que o prêmio da posteridade dependia daquela orientação, e o capitão logo assentiu, gritando: “Prancha de estibordo, ali! Correr a bombordo! – depois da prancha, a estibordo! À meia-nau! À meia-nau! Velas!” e o navio então seguiu, através do rompante da manhã do dia 04/04/2009, em busca de Reyna.

Ishmael e a Caça a Reyna (ou Moby Dick do Século XXI)

Parte V

No meu relógio de bolso, os ponteiros acusavam 9:30am, quando o imediato gritou: “Leviatã! Leviatã! À sotavento! Sotavento! Puta-dos-mares! É gigante! Gigante! AHOOOOOOOO, acorram!, acorram a seus postos!”. Era o chamado para a guerra. Minha bússola mágica acompanhava as movimentações da besta, que fazia-se ver a milhas de distância. Como medir e descrever um sonho em poucas palavras, ou mesmo em muitas? Talvez impossível de traçar retrato fiel; acredite apenas nas palavras deste marujo, tratava-se de um cetáceo 5 vezes maior que a nossa embarcação. E nosso barco, diga-se de passagem, era do tamanho desta Taverna! Tive receio pela minha vida, pois eu era o arpoador do navio. Minha função era espetar baleias com enferrujados arpões, como se fossem churrasquinhos de gato. Hesitei e pensei em ter uma salmonellose, o famoso “pede pra cagar e sai”, mas não; não podia, não devia voltar atrás. Nunca há retorno, e uma oportunidade quando desperdiçada, ah! Nunca mais retorna. Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Não adentra-se duas vezes no mesmo mar.
“Arpoador, a seu posto!” comandaram-me. Pedi para que emparelhassem o quanto possível com a besta, que já estava a 40 milhas de distância. 295 graus, Lafayette! No SOHO! South Of Houston! desci no microbote motorizado que ficava a estibordo. Parecia ridículo tentar engajar uma baleia daquele tamanho em tal penúria, mas são os ossos do ofício! Em comparação com um homem, o tamanho era este: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Blue_whale_size.svg
Mas nossa escola era das antigas, nada de arpões com mira eletrônica, nada de computadores. Esta era a luta descomunal do homem com a maior besta da Criação, Reyna! Sem dúvida era ela! Esta baleia azul reinava absoluta nos mares. Foi quando notei outros navios baleeiros, também da velha escola, descendo seus arpoadores em seus microbotes motorizados. Seus nomes grafados no casco: Alison, Yuwhen, Tiffany, Leah, Thereza, Paolla, Leo, tantos! Eu era o único bote brazuca; haviam poucos estrangeiros, e muitos botes americanos advindos das 11 escolas da NYU: Stern Business School, Gallatin, Tisch, Wagner, etc. Eram ao todo 58 botes. Uma competição ferrenha se desenharia! Quem levaria o prêmio para casa? Percebendo a força de Reyna e suas investidas contra as embarcações maiores, gritei em desespero para que todos pudessem trabalhar em equipe. Reyna neste exato instante investiu contra o Yuwhen e destruiu a proa do navio, causando este a ir a pique. Pânico. Gritos. Túmulo azul.
Um grupo de 15 baleeiros se reuniu próximo ao meu barco, e traçamos uma estratégia conjunta. Parecia uma reunião em uma sala espaçosa, quase uma dinâmica de grupo. Enquanto a água espirrava em meu cabelo, disse que precisávamos resolver esta situação como se ela fosse um intrincado problema social, com os vários personagens (stakeholders) em jogo. Ah, aye! Teríamos que atacar de todas as frentes! Para se ter uma idéia do plano, vamos a uma analogia:
O estado de NY está com uma nova política de fechamento de prisões para delinquentes juvenis, transferindo os mesmos para pequenas casas vigiadas. O complexo prisional a ser fechado no estado é o maior do país, com capacidade para 512 indivíduos. Porém, só 12% da capacidade está sendo utilizada e metade do prédio está em mau-estado de conservação. Não podemos simplesmente demolir o complexo pois US$ 40 milhões de dólares de dinheiro público foram gastos em sua construção e as famílias em seu redor dependem economicamente do estabelecimento; existe um sindicato de agentes prisionais muito forte, que certamente estaria descontente se perdesse o emprego. O prefeito tem ligações políticas com este sindicato e ir de frente com ele não é a mais sábia das decisões. A economia do estado está em perigo; uma transição gradual deve ser feita, porém é imprescindível cumprir esta nova política estatal. A parte que não está decrépita possui piscina, ginásio poliesportivo, estúdio de música, carpintaria. Como atacar este problema garantindo que todos saiam com parte de seus interesses respeitados?
Então, com esta visão em mente, nosso grupo flanqueou Reyna e conseguiu desferir-lhe uma, duas, três belas arpoadas; as armas ficaram enterradas na lateral do monstro, que logo revidou com uma barbatanada: jogou cinco competidores ao mar, sem piedade. Solicitei que reagrupássemos; a dor do ataque tinha deixado a baleia furiosa! Afundou gerando um redemoinho enorme, que engoliu dois microbotes e mais dois arpoadores. “Vamos! Coragem, porra!” gritei para mim mesmo. Pouco a frente ela ressurgia para respirar. Bem em cima de um bote, o Leah: “AHHHHHHHHH!!”
Estava cansada e ferida, e isso era vantagem para nós. Estávamos em uma distância de fala, então gritei: “é como Xadrez! Temos que prever todas as jogadas antes, e só então partir para o ataque! Plan before action, guys!” E de fato era um xadrez humano-baleífero. Mais uma vez recorro a uma alegoria, para que vocês entendam:
Vários papéis A4 no chão, em forma de cruz, contendo cada um letras: S1 S2 S3 S4; W1 W2 W3 W4; L1 L2 L3; K1 K2 K3. Cada baleeiro ficava sobre um número, olhando reto para o outro lado. Havia um papel com a letra O no centro, na intersecção dos dois eixos. Tinhamos uma porralhada de regras ditadas – e não repetidas – no começo, e devíamos chegar em uma formação final determinada. Só podíamos mover um a cada vez, e tínhamos 30 minutos para resolver em conjunto o problema. Poderíamos voltar e começar de novo quantas vezes fosse preciso. Havia um do grupo que era o Observador Externo, e ele só podia falar três vezes ao total.
Com este novo plano e formação, meu bravo grupo de caçadores resolveu, com tática, esta situação HarryPotter-like. Mais uma arpoada, dessa vez próxima ao poro respiratório do Leviatã! Sangue vazou para dentro, e ela pareceu broncoaspirar. Afundou fazendo um som que podíamos ouvir, mesmo fora d’água; um som horripilante!
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Blue_Whale_NE_Pacific.ogg
E desapareceu manchando de sangue as águas do Atlântico Norte. Não sabíamos o que pensar, muito menos como agir. Só podíamos esperar seu retorno para o embate final.

Ishmael e a Caça a Reyna (ou Moby Dick do Século XXI)

Parte VI: O Embate Final

Todos procuravam sob o espelho d’ agua. Nada. Os botes ficavam em circunavegação para não virarem alvos fáceis de um possível ataque. Mandíbulas advindas do Tártaro! Um fim que ninguém queria. A qualquer momento agora. 16:00 no relógio. Ah, Reyna! Venha para a superfície! Venha, caralho! Aye! Sua vagabunda do mar! Te espero!
Enquanto blasfemava impropérios, não notei a sombra azul que avolumava bem abaixo do meu bote. A tripulação do Victory mexia os braços em desespero e gritava, saia daí! Saia daí! E eu sem compreender o tresvario. Meu bote foi lançado para o ar, enquanto a baleia saltava vingativa. Meu corpo irrisório decolou 15 metros de altura e encontrou o chão duro do mar. http://www.flickr.com/photos/raphie/2052477420/
Que dor! Os dois arpões AQUARIUS e PRÍNCIPES & PRINCESAS TUPINIQUINS caíram ao meu lado, e logo começaram a afundar. Me agarrei neles enquanto Reyna abria a bocarra e – à semelhança de Jonas da Torah – deglutia meu ser agoniado. Fui sendo arrastado sem piedade pela força do abismo e, mesmo rasgando sua língua com meus ferrolhos, fui jogado dentro da sua garganta profunda e negra.
Trazia uma lanterna de mar, que iluminava longe. Pude ver o interior da barriga do Leviatã:
http://www.flickr.com/photos/37201262@N03/show/with/3425022057/
Vi corpos putrefatos e alguns baleeiros agonizando. Logo percebi que este seria meu destino se não conseguisse sair. Nunca fui Cristão de fé, mas sabe como é: em desastre de avião, menstruação atrasada ou quando na barriga de uma baleia... não existe ateu. Recitei alguns versos da minha infância no Rio de Janeiro, em forma de cantiga de ninar
As costelas e os terrores na baleia
Cobriram-me de uma escuridão lúgubre
Enquanto as ondas iluminadas pelo Senhor
Arrastavam-me para o fundo do abismo.

Eu vi a boca aberta do inferno,
Com as suas dores e pesares infinitos;
Só quem sentiu pode saber –
Oh! Afundei-me no desespero!

Na minha angústia chamei pelo Senhor,
Que mal podia crer que fosse meu,
Ele prestou ouvido às minhas queixas,
E a baleia me pôs em liberdade.

Acudiu sem demora em meu socorro
Como se transportado por um golfinho radiante;
Brilhou na água como um raio
O rosto do meu Libertador terrível e divino.

No meu canto sempre vou recordar
Esta hora terrível e magnífica;
A glória é do meu Senhor,
Sua é a força, e é Sua a misericórdia.

Repeti umas cinco vezes esta porra, dando ênfase ao verso “E a baleia me pôs em liberdade.”!!!, com direito a “Abre-te-sésamo!” e tudo, mas em vão. A corna aquática mantinha-me cativo. Comecei a enlouquecer, falar sozinho. No ventre da baleia, as paredes gástricas pareciam uma tela de cinema de humor ácido. De súbito, três cabeças surgiram na mucosa gástrica e começaram a me entrevistar. Aquela imagem difusa de início tomou forma nítida: eram três juízes no meu particular Juízo Final. Uma senhora de 70 anos que era CEO de uma empresa no ramo das indústrias farmacêuticas, um homem de 45 anos presidente de uma NGO internacional com atuação em vários países, e uma morena rechonchuda nos seus 30 anos, que já tinha ganhado o fellowship no passado. A halucinação perguntava-me tudo sobre a idéia “Luz, Câmera... Ação em Saúde!”, meu trabalho em Piraí, quem eu era, sobre a escola de curandeiros do Fundão, sobre meu futuro curso na NYU, porquê eu deveria ganhar um tal de Fellowship, quem eram meus parceiros nesta empreitada (nesta hora respondi “Bacana” e “Carol” em Inglês, foi muito engraçado), enfim: um pesadelo confuso de perguntas e respostas.
Porém mandei bem. Estava afiado, os arpões estavam afiados. Percebi que ficar orando não adiantaria picas. Lembrei dos meus conhecimentos de anatomia da M1, e fui escalando de volta para o esôfago da criatura, utilizando os dentes dos arpões. Cada ferroada gerava um jato de sangue e contrações frenéticas da baleia. Quando finalmente atingi o meio do esôfago, lacerei a mucosa e pude enxergar, gigante, o coração de 908kg em seu trono. Olhei para meu melhor arpão, o PRÍNCIPES & PRINCESAS TUPINIQUINS, e enterrei sem piedade a arma no órgão vital. Não sei qual câmera cardíaca atingi: seja lá qual, foi em cheio.
O Leviatã emitia ruídos piores do que o próprio Belzebú, enquanto acorria para a superfície em busca de ar. Emergiu e vomitou o conteúdo estomacal, e aquela onda bizarra expulsou-me do interior de Reyna. Usei o arpão AQUARIUS para me prender no casco do Victory que estava por perto, enquanto Moby Dick submergia no azul escarlate do mar.

Ishmael e a Caça a Reyna (ou Moby Dick do Século XXI)

Parte VII

(De volta à Taverna Magella’s. O Marujo subitamente cala-se e toma mais um gole de Rum. Os ouvintes parecem apreensivos. Ele observa o fundo do copo, como se quisesse perscrutar o fundo dos oceanos; levantando-se diz...)
(Marujo) - ... e é essa minha história, senhoras e senhores. Obrigado por emprestarem seus ouvidos. Foi um prazer.
(Forasteiro 1) – Mas como? A história não acabou! Reyna foi morta ou não? O Victory – ou qualquer outro barco – conseguiu rebocar a criatura? Quem ganhou o pódio, o prêmio, os louros? A posteridade da vitória? O fracasso humilhante da derrota? Quem são os vencedores, quem são os perdedores?
(Marujo) – Meu caro, meu caro... Reyna não foi mais vista naquele dia ou nos subsequentes. Fizemos vigília dia e noite, várias vezes, e nada. Ela desapareceu. Ninguém sabe o paradeiro final dela. Pelo menos por enquanto.
(Forasteiro 2) – Não acredito que ela sumiu. Deve ser frustrante!
(Marujo) – Caros forasteiros, aye! Vejo que o mar precisa ensinar muito a vocês ainda. Faltam sereias a confidenciar as esquisitas verdades da vida. Vitória e derrota são noções relativas. Seus conceitos, para quem vai um pouquinho mais além, difusos. O tamanho de suas possibilidades depende do tamanho da sua pessoa. Quanto maior a sua alma, mais fácil será enxergar vitória em lugares diferentes do habitual, ou mesmo destacar derrotas dos coloridos confetes. Sucesso, fracasso, o que eles significam para você?
.......................... (todos calam-se e ficam introspectivos; Marujo então continua)
(Marujo) - Olha, sair à caça de Reyna foi a maior aventura da minha vida. Atirando-me no mar, caindo em precipícios guturais, encontrei meu verdadeiro valor; quem eu realmente era. Reinventei-me. Estive ao lado de nobres baleeiros, que julgaram meu caráter e minha disposição. Eis suas histórias:
http://www.nyu.edu/reynolds/pdf/Judge%20Bio%20Facebook_09.pdf
Também, competi pelo Leviatã com 58 arpoadores da maior qualidade, selecionados entre 1000 e tantos no início, para depois 163 na semifinal, para enfim chegar ao número de finalistas. Todos esses personagens - sem exceção - tinham uma aura de excelência, um intelecto diferenciado. Transmitiam uma superioridade moral e existencial sem igual... bem diferente dos pescadores de sardinha, lambari e traíra da minha terra (e tantas outras terras, afinal gente estúpida é uma praga mundial), que só pegam peixes pequenos no final do dia e de suas vidas. E sabe qual é a maior, caros forasteiros? Eu estava entre aqueles bravos. Eu estava naquela nata internacional, representando minha Casa-UFRJ e meu país. Quer alegria maior, ou mesmo reconhecimento, de que você é competente e tem um pirú verde capaz de conquistar o mundo?
(Forasteiro 1) – É verdade. Nunca tinha olhado por essa perspectiva.
(Forasteiro 3) – Fato. Eu também não.
(Marujo) – Senso lato, foi uma vitória memorável, independente se Reyna jaz no cemitério azul ou não. Isso porque foi a vitória de um Homem sobre si mesmo, sobre seu passado, sobre os diversos bundinhas da sua amada Casa. Hahaha! Aye! Depois desta história, que foi até noticiada nos jornais da nossa província, espezinhar e destratar novamente seus semelhantes ficará ridículo: assédio moral nunca mais. Terão primeiro que pedir licença ao legado do pênis verde e do pum laranja com cheiro de lavanda.
(Forasteiro 3) – Puxa, peregrino-do-mar! De fato, foi ótimo isso tudo. Mas também acho que você foi um vencedor strictu-senso, cara.
(Marujo) – Sem dúvida! Ah, esqueci de contar! Minha passagem no pássaro metálico AA e dois dias de hospedagem em Manhattan foram pagas pelo porto baleeiro! Foda né? Veja bem, conhecer as intenções dos americanos é fácil, irmão: basta seguir a grana. Se eles estão dispostos a pagar sua ida desde Terra Brasilis até lá para você ser parte da tripulação de um navio baleeiro – ah! – eles de fato estão muito interessados em ver você em ação. In God We Trust! Hahahaha. No mais, tirei licença de serviço no porto belo de Piraí por duas semanas, foi o máximo. Estava precisando!
(Marujo, levantando-se) - Tenho que ir, cavalheiros e damas. Um beijo na bunda. Lembrem-se: juízo, jamais! Amadurecer, sim; crescer, nunca!
(Forasteiros, em uníssono) – Tchau! Parabéns!
....

FIM

Ishmael e a Caça a Reyna (ou Moby Dick do Século XXI)

Epílogo:

Vários dias se passaram. Do outro lado do Atlântico, no dia 10/04/2009, o vento trouxe a notícia de que uma baleia descomunal, nunca dantes vista, estava agonizando na superfície do mar; bem próximo a Manhattan. Foi capturada e rebocada para a praia; várias fotos foram tiradas do monstro, e o Leviatã enfim foi reconhecido: era Reyna! Não era lenda, ela de fato existia! Ninguém podia acreditar no tamanho do bicho.
Sua carne ainda estava boa, e portanto foi morta para aproveitamento e festim. Tudo foi cobiçado, as barbatanas, o óleo do fígado, o couro; até a mandíbula usada como portão. Quando foram extirpar o coração, notaram um arpão profundamente cravado no ventrículo esquerdo da besta. Dizia:
Propriedade de:
Alexandre Machado de Sant’Anna Carvalho – Baleeiro, Duende Verde, e Homem de Verdade.
Nome do Arpão:
PRÍNCIPES & PRINCESAS TUPINIQUINS.
E na extensão toda do cabo, um verso; um belo poema grafado em letras de maresia. Olhando de perto, era possível ler:
The Road Not Taken - Robert Frost

Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;
Then took the other, as just as fair
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that, the passing there
Had worn them really about the same,

And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.

I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
two roads diverged in a wood, and I --
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.

Eu Saí Para Conhecer o Mundo

Eu saí para conhecer o mundo:
a vida,
as pessoas,
a mim próprio.
Não olhei pra trás.
Cortei os laços com o meu passado, definitivamente
E apressei o passo para não dar chance a covardia.

Tornei-me errante em todos os sentidos.
E depois de muito caminhar,
Cheio de pedra, cheio de sede, faltando-me ar
Perguntei (e ainda pergunto) se tomei a decisão certa

Pergunto, pois estou sozinho no deserto!
Penso e vivo areia.
Olho para trás e não vejo mais nada; para frente, não há sinal d’água!

‘’Onde?”, ecoa a pergunta pelos ares arenosos:
Onde é meu lugar? Onde estão minhas raízes?
Acima de tudo onde está minha alma?!

Como é necessário pertencer a um lugar neste mundo...

Mas acho que foi acertada minha escolha:
Não há como encontrar a verdade sem aventurar-se, sem arriscar-se.
(Meio duvidante esta crença, eu sei, mas faz parte da história da autonomia)

Ahhh! A dúvida e a hesitação laceram! O medo!
Imprescindível você estar resolvido, com certezas firmes
Para prosseguir diligente em frente. Esta é a solução!

...mas nada disso importa: escuto e vejo rajadas de fuzis através da minha janela.
As Quatro Estações e a Terra do Sempre


Certa vez o poeta, esse namorador de ventos
Confidenciou-me o segredo de uma brisa:
passageira faladeira e faceira
Ela lhe disse - bem baixinho - assim...

- “Eu vi um mundo parado e bobo
Onde o inverno era rei
Lá tudo era silêncio e espera
Todos tinham medo da Lei.

Mas um dia veio o duende verde
E riu um raio de sol
Fez primavera no coração do povo
E verão no trono do rei mongol

Foi aclamado soberano das terras
Fez festa à noite e amores de dia
Todos amavam e cantavam seu nome,
Alegria, Alegria! (eco) Alegria!...

Porém sua casa era o devir
Era chegada a hora de partir
Mas não deixou o outono chegar
Deixou sua risada lá


e...

...voilá! voa lá! nas costas da vida ele foi voar! (eco) voar...
...voar, voar!...
...cantar, e cantar! (eco) cantar...
...dançar, e dançar! (eco) dançar...
...laiá, láiá, laiá, laiá... laiá...”

FIM

AMSC – 19/01/2009
A Hidrocele que fala e a busca da Terra do Nunca

O título acima diz bem quem sou. Pertenço a um aluno deste Centro de Ciências da Saúde, e resolvi falar, pois já não agüento mais tamanha pressão hidrostática comprimindo minhas estruturas nobres. Preciso desaguar meus descontentamentos. Preciso abrir as cancelas da minha represa de frustrações. Como já deu pra perceber, sou uma bolsa escrotal honrada, sensível e sincera (não sou escrota, juro!), mas que está prestes a necrosar se não transbordar para o mundo. Chega de edemas sofríveis suportados no silêncio. Meu nome é Saculéia Pinto Leite, e esta é minha história...
Venho acompanhando o menino que está ligado a mim desde o início da sua vida. Sempre fomos cúmplices um do outro. Ele sentia minhas dores quando alguém me acertava uma bolada, e eu o ensinava a brigar e derrotar marmanjões covardes (isso mesmo: chute de bico lá). Nossa relação vem de anos e anos juntos. Quantas meninas ele deixou de namorar porque elas sentiam ciúmes das carícias públicas que ele me fazia. É por essas e outras que posso dizer que o conheço, e digo logo: ele está de saco cheio. Não agüenta mais ouvir, desde a época pré-escolar, a mesma pergunta insuportável: ‘’O que você quer ser quando crescer?”, com suas mil variantes que mudam conforme faixa etária.
Este clichê-maldição o persegue sem trégua. Quando criança tinha que inventar uma profissão para agradar os chatos. Hoje tem que inventar uma especialidade médica. Já é um homem com caracteres sexuais terciários desenvolvidos (uma barriguinha), mas ainda tem que inventar para o próximo cumprir sua rotina de relacionamentos.
Eu mesma cansei de ver! Qualquer resposta serve! Quem pergunta não está interessado em saber nada que realmente importa sobre você. É uma pergunta social. Meu marido, o Bilau, também acha igual. Para sanar a gana de quem não tem a menor criatividade para perguntar qualquer coisa diferente sobre sua vida, basta qualquer lorota.
‘’Qual a sua especialidade?”, “Vai fazer o quê?”, “Você tem cara de Saúde Pública!”, “Obstetra?”, “Clínica ou Cirurgia?”, ‘’E o mercado para Pediatria?”, ‘’Você é meio maluco... porquê não Psiquiatria?”, e tantas outras perguntas-padrão! Só muda a roupa do mofo! Todos os dias, no mínimo três vezes... esta é a quota diária de isquemia nas idéias que meu companheiro de adjacência tem que agüentar. Quase como uma prescrição médica do mal:
Tome ‘’Qual a sua especialidade? ®”, Via Retal, 3x/d, por 6 anos de sua vida, e ficará uma pessoa curada! Curada de ser imprevisível, curada da paixão pelo incomum, curada da ousadia de buscar outros caminhos possíveis! Ao persistirem os sintomas, procure auxílio de um prático que lhe drene estas características ou aumente a dose da medicação . Par efeito esperado da droga: impotência!
Ato contínuo, ele sente-se impotente e confessa suas dores: ‘’- Saculéia, não é possível! Eu ouvia a fama do Fundão, um lugar de mentes brilhantes! Perspicazes! Estou decepcionado... decepcionado! São poucos os que conseguem formular uma pergunta verdadeiramente inteligente, e não a maioria como a fama do Fundão sugeria! A maior parte dos encéfalos daqui só sabe vomitar o que leu nos livros-textos ou demais referências, e quem mais vomita em um papel vazio ganha nota máxima! Eis o critério de inteligência adotado nesta ilha! Náuseas e vômitos! Náuseas e vômitos!
‘’- Saculéia, minha companheira de sacolejos, não dá mais! Não dá! Meu berço é linhagem forte, é pensamento grego! Não consigo tolerar obscenidades intelectuais deste porte... e parece que o mundo todo está assim! Ah! Vamos partir, vamos partir para Pasárgada! Ou melhor, para a Terra do Nunca, lá nunca mais perguntarão ‘’Qual a sua especialidade?’’ ou perguntas da mesma estirpe!’’
Tentei demovê-lo da idéia, tentei dizer que nada adiantava a irritação e a desesperança. Mas ele realmente parecia obcecado. Determinado até o talo em deixar este mundo. Dizia em voz alta, para todos os vizinhos ouvirem (até os chatos e pentelhos do 501!) que ‘’perguntas-padrão restringem horizontes, e não os expandem!’’. Parecia um louco ensandecido. Não demorou e o sono chegou, trazendo a tranqüilidade e o silêncio para a mentezinha perturbada dele. Fiquei insone e não dormi nada naquela noite áspera.
Hoje acordamos juntos, e depois da viagem matinal para o mictório, ele olhou em meus ovos e disse: ‘’Estamos nos mudando para a Terra do Nunca”. Não disse outra palavra. Apenas foi arrumar as malas. Fiquei pasma, com tristeza inconsolável! Não queria fazer ou pensar nada, estava em franca depressão. Mas quando tudo era desespero, a ética Kantiana do dever me levantou e inspirou a escrever este textículo para ajudar os que ficam. Que possam encontrar um consolo nestas linhas. Se nem isso conseguirem, fica aqui o convite: venham para a Terra do Nunca também. Esperamos vocês lá.

Sinceramente e já com saudades,

Saculéia Pinto Leite 19/06/2008
As Aventuras do Príncipe Tupiniquim


Tinha tudo planejado. Queria fazer uma surpresa para a moça, depois de um dia difícil. Desejava trazer um pouco de calor aos braços e lábios dela. Para tanto, bastava percorrer os kilômetros que os separavam, com seu destemido cavalo oval de nome KA modelo 2002/3 cor prata; tudo daria certo. Ao chegar, desceria da sela, e com todo o esplendor de um príncipe contemporâneo, tomaria os lábios da princesa para si. Este era o plano! Perfeito! Sem nenhuma falha, sem nenhuma vicissitude impossível ou improvável. Afinal era segunda-feira, 22:00, ainda cedo. BigBrother no ar. A princesa não estaria dormindo. Além do mais, isso aqui não é a história da bela adormecida!
Foi. Sem hesitar. Sem titubear. Sem ligar para o telefone da donzela. À maneira dos bardos e vikings de outrora: chegando sem ser convidado. Ele desce do cavalo, com uma dignidade ímpar e uma pose de nobreza – um verdadeiro Príncipe Charles Tupiniquim – e vê o castelo. Um alto e antigo palácio onde muitas histórias foram construídas e destruídas. As paredes cantavam nomes de um tempo passado, onde sonhos vagavam pelos corredores largos. O bravo príncipe contemporâneo chega ao portão de aço maciço e enferrujado; um vento cortante gela sua espinha e um enorme fosso com cavalos antigos se faz à vista. Ele então toma coragem e lança suas palavras para dentro do coração do velho palácio.
Alexandre, O Grande Sem Noção - Alas! Alas! Vim, vi, e venci! Desejo entregar meus beijos e abraços para a Carolina do sexto andar!
... (silêncio)
Alexandre, O Grande Sem Noção - Desejo encontrar com a princesa! Trazer afeto em tempos de fúria! Trazer carinho em tempos de Cólera, Pancreatite, Cânceres, Infartos, enfim, em tempos de plantão na São Vicente!
... (silêncio)
Alexandre, O Grande Sem Noção - Alôoooooooooooo!
(alôooooo!)
(alôoo!)
Nando, O Dragão Cavernoso - Alô! Alô! Jackson? Jackson? Não? Com quem você quer falar?
Alexandre, O Grande Sem Noção - Com a Princesa Carol, por favor! Venho de terras distantes, trago presença de presente!
Nando, O Dragão Cavernoso - Eu sou o gateman. Ninguém vem ao pai – ou à filha – senão por mim!
O vil dragão era místico e com poderes mágicos, sua voz cavernosa vinha pelo interfone.
Alexandre, O Grande Sem Noção – Ah, beleza! A Carolina do 601 está?
Nando, O Dragão Cavernoso - Peraí, tô no banheiro. Deixa eu sair daqui e já converso contigo! (interfone: chuáaaaaaaaaaaaaaaaa)
Pronto! Tudo bem? Quer falar com a Carolina, né?
Alexandre, O Grande Sem Noção - Sim, mas eu poderia entrar? Está chovendo aqui fora! Posso esperar no saguão?
Nando, O Dragão Cavernoso - Não, forasteiro! Ordens são ordens, e eu só as cumpro. Aguarde e prove seus sentimentos! Demonstrações e provas, é disso que o coração precisa para atestar sua chama! Aguarde por favor...
Enquanto esperava pacientemente, as fantasias corriam sua mente. Como seria bom vê-la! O príncipe adorava ficar junto da princesa, na rua, na chuva, na fazenda, ou mesmo em Piraí! Tinha ótima conversa e seus trejeitos eram adoráveis. Gostava de Chico Buarque, Tom Jobim, Ary Barroso, tudo que ele gostava também... ela desafiava o príncipe em duelos culturais, e amiúde o vencia. Aiai, era muito legal estar ao lado dela; mesmo sabendo que seu tempo nas terras do Sul era escasso. Ele teimosamente insistia neste R (que não é R) de onde era possível avistar à frente o abismo da separação. “Mas afinal, todos nós estamos fadados ao abismo, não é mesmo? Então, que eu pule, minhas asas abram e eu possa voar!”, pensava ele. Porém os minutos passavam, passavam, e nada. Algo estava errado. Será que outro príncipe havia chegado antes e ganhado sua mão? Ah! Não! Nãoo!! Vão embora, fantasmas da noite! Deixem-me! Deixem-me!
O Dragão Cavernoso, então, veio trazer-lhe a realidade. O rei dissera que desconhecia o príncipe. Ele que viera noutro dia visitá-lo! Chegou a conhecer a Rainha, seus troféus de caça, sua árvore Genealógica Real... foi um golpe duro e deveras fundo. Sentiu-se Persona Non Grata, de imediato. Quase foi embora, mas quando estava prestes a fazê-lo, o gateman abre os portões pesados e pontiagudos permitindo sua entrada.
Nando, O Dragão Cavernoso - Suba, a princesa o aguarda.
...
O príncipe tupiniquim então toma carona na torre pantográfica, que só voa para cima ou para baixo, e chega enfim à morada da bela. Ela o espera na porta. Uma luz fraca de tocha elétrica ilumina o corredor, onde plantas carnívoras fazem a vigília. Todo o cuidado era pouco naquele momento, poderia muito bem ser engolido por uma daquelas enormes plantas. Ela o aguardava silente; estava adormecida, sim – mesmo não sendo esta a história da bela adormecida – e muito enfezada. Ah! O Rei e a Rainha estavam enfurecidos com a audácia do pretendente de chegar assim, sem avisar e sem ser convidado. Quase que convocam os exércitos reais, também chamados de Puliças, para debelar tal invasão.
Alexandre O Grande Sem Noção fica então sem saber onde enfiar a cara; pede todos os perdões do mundo. Diz que perdeu a honra, que vai cometer um Haraquiri tropical, ouvindo tropicália até a morte. Tudo o que ele queria era trazer afeto, abraços e beijos para ela – como tudo pode dar errado, tão depressa? Não!!! Será que o Rei vai me afastar dela? Será que a Rainha vai me odiar? O que será, o que será? Mais importante, porquê eu estou preocupado com isso, se é uma R que não é R? AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!
...
Epílogo:
O príncipe não pode entregar seus beijos e afagos como gostaria. Sentiu que não era dele aquele momento, que estava de intrujão. Sentia que havia errado, que havia passado por cima de leis e regras de bom senso. Mas ele, quando apaixonado, não consegue ser um homem apropriado! ele pula nas piscinas de bolinha do Habibs! Enfim...
A tragédia tomou seu coração e mente; ele partiu desolado e desterrado do castelo da Província de Copanema e regressou, só e triste, para a Província do Leme. Neste lugar, era amigo do Rei; lá poderia ter a mulher que quisesse, na cama que escolher. Mas ele queria a Princesa Adormecida, ela e nada mais! Ah, vá para longe! Vá embora pra Pasárgada! – digo, Piraí infante! Alas! Alas! Tudo tudo tudo vai dar pé!
...
FIM

ReVoLuÇõeS

Para se conquistar uma mulher,
Que você muito muito quer,
Deves fingir que não necessitas dela.
Em absoluto, nem um pouco!

A mulher procura um alguém
Que não precise de ninguém:
Um homem forte de espírito.
Se você não precisar dela, ela vai precisar de você.

Mas quando ela enfim for sua
Ela vai precisar que você precise dela
Aí então poderás finalmente mostrar
O quanto seria impossível viver sem ela

rELAtiVISmO

''Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto o mau gosto...
é que Narciso acha feio o que não é espelho"

C. Veloso


Sobre um mesmo ser:
Para uns é isto,
Para outros, é aquilo outro!

Cada um vê tudo do seu jeito
Que é certinho do jeito que cada um é.
Aí depois, puro teatro: conflito, harmonia, tudo sem fim!

Liberte-se destas fibras que te enlaçam e suba
Acima da teia pegajosa da mesmice.
Vê depois lá embaixo amigo. Vê.

O conhecimento liberta, é ferramenta;
A arte liberta,é meio também;
Você se liberta; és começo, meio e fim!

Serventia

Para quê serve a poesia?
Bom...
Vamos ser honestos?
Objetivamente falando
Ela não serve pra nada.
Subjetivamente falando,
Ela serve pra tudo

Sua serventia está em manter os corações do povo
abertos
Em tempos de disseminada aridez e insensibilidade.

A missão do poeta:
parir versos.
Servir de útero e canal de parto
Para os poemas que salvaguardarão
A humanidade da humanidade.

AMSC - 20/12/2008
(pré-natal)

Tinta acabada



A pior angústia que há
É perceber que somos esquecíveis.

Esquecível:
Passível de esquecimento.
Tudo o que eu mais queria nesta vida
Era ser inesquecível.

Especialmente quem amamos,
Não é esse nosso maior desejo?
Sermos imortais na lembrança
Daqueles que conviveram conosco?

Prefiro morrer mil vezes
A ser esquecido uma única vez.

O Rio

Sempre fui um homem de planaltos,
asfaltos, cachoeiras, neve, céu pesado e mar.
Sempre aprendi com eles:
a voar no abismo
a percorrer caminhos impermeáveis
encontrar oxum na cachoeira
cair
na melancolia e leveza do branco
agüentar todo o peso do mundo sobre minha cabeça
e mesmo assim achar belas as estrelas;
...amar como mar!
Mas faltava uma coisa imprescindível:
faltava viver um rio na minha vida – desses que fluem sereno
sem pressa, pressão, cobranças ou exigências;
com fim datado e previsível,
mas ainda um belo fim que é oceano. Aqui em Piraí eu vivo esse rio que é voz da foz
e ele está sempre a me sussurrar
dizendo que tudo na vida tem que passar.


AMSC- 14/02/2009

Super-Nova Mais Uma Vez

Não existem certos e errados certinhos.
- Mesmo!
Uma vez me disseram do plano certo
da resposta certa
da pessoa certa, e eu acreditei...
mas hoje dou risada.

Isso é tudo falso, tudo em desacordo
com as flores e árvores e pedras do bardo.

Hoje sou mais pelo erro:
a pessoa errada
a cueca do avesso
o verso azedo
(que tanto me incomoda)
o tempo errado das coisas
a vida errada
tudo errado
(e errando).

Errar e erro, sair da trajetória e permanecer
é amiúde conhecer novos caminhos
novas searas;
quem tem visão estreita-careta enxerga
mas só com aquele campo visual cilíndrico, típico das bestas...

De acordo com o planejado? Com as expectativas?
Bah! Tolice e mesquinharia!
Querer que a vida sempre siga roteiros é o ó da pequenez...

A melhor escolha é pela transformação
metamorfose dos certos e errados
naquela potencialidade criativa que é a super-nova:
- Eu mudo Universos, fazendo da vida versos.


AMSC - 16/03/2009

Minha vida é por um fio

Minha vida é por um fio
Nosso beijo vem sendo também
Qualquer meneio do destino
Pode levar-me à tua boca
Ou – tomara que não! – ao medonho além.

Cada vez que me aperta o medo de partir
Mais me aperta o amor:
Menina, amo-te assim como a tudo
Sem qualquer hesitação, receio ou favor

Minha poesia pressente
Que meu tempo é urgente.
Beije-me, sem nenhum pudor!


tudoflui - 08/10/2008 e 15/01/2009

Melodia


Fico cá
fico lá;
fico mi
fico fá;
choro sol...
sibemol é sorumbático.
digo solsustenido
ré e até um dó.
(tenha dó!)
Lá fico esparramado
em todo lugar...
tentando
e falhando,
tentando
e acertando:
ora cheio, ora raspão
vez sim, vez não
Na fujona da poesia
(cadê a harmonia!?)

Caffé 1618

Numa noite de domingo
Éramos donos de um lugar
Dançamos os dois, fizemos poesia com pouco
Apenas dois bules de chá.

Vi nos olhos dela uma saudade
De um tempo distante e a música parou.
Outra se deu, tentei convidá-la para dançar
Mas ela só queria ir pra casa.

O barulho de arrumação fez-se presente
Senti que incomodávamos (sem incomodar)
A poesia então se desfez...
Voltamos pra casa

Insidioso

O poema ameaça deixar-me.
Parece que quando (enfim) me encontrei
ele começou a deixar a sala, devagarinho...
como se dissesse “olha, você já não precisa mais de mim”

Mas o poema engana-se:
preciso do verso como ninguém
pois vida sem poesia é vida não sei
e isso não é jeito de se levar uma vida


AMSC – 01/05/2009
11:45pm

Filosofia do Inesquecível

É para isso que vivemos:
Para o inesquecível, para o improvável, para o impossível.
Não se contente com menos - o resto é sobrevida.

O tal do equilíbrio, desconfie dele!
Viva desequilibradamente,
Ame tresloucadamente
Pense esquizofrenicamente
ah! distribua flores pelo caminho

Aqueles que se contentam com menos vivem uma vida de menos.
Não se contente com menos.
Eternamente insatisfeito, é esta a sina do poeta
Daquele que faz de cada respiração um ato reprovável
de ousadia!


AMSC - 07/05/2009