domingo, 10 de maio de 2009

A Hidrocele que fala e a busca da Terra do Nunca

O título acima diz bem quem sou. Pertenço a um aluno deste Centro de Ciências da Saúde, e resolvi falar, pois já não agüento mais tamanha pressão hidrostática comprimindo minhas estruturas nobres. Preciso desaguar meus descontentamentos. Preciso abrir as cancelas da minha represa de frustrações. Como já deu pra perceber, sou uma bolsa escrotal honrada, sensível e sincera (não sou escrota, juro!), mas que está prestes a necrosar se não transbordar para o mundo. Chega de edemas sofríveis suportados no silêncio. Meu nome é Saculéia Pinto Leite, e esta é minha história...
Venho acompanhando o menino que está ligado a mim desde o início da sua vida. Sempre fomos cúmplices um do outro. Ele sentia minhas dores quando alguém me acertava uma bolada, e eu o ensinava a brigar e derrotar marmanjões covardes (isso mesmo: chute de bico lá). Nossa relação vem de anos e anos juntos. Quantas meninas ele deixou de namorar porque elas sentiam ciúmes das carícias públicas que ele me fazia. É por essas e outras que posso dizer que o conheço, e digo logo: ele está de saco cheio. Não agüenta mais ouvir, desde a época pré-escolar, a mesma pergunta insuportável: ‘’O que você quer ser quando crescer?”, com suas mil variantes que mudam conforme faixa etária.
Este clichê-maldição o persegue sem trégua. Quando criança tinha que inventar uma profissão para agradar os chatos. Hoje tem que inventar uma especialidade médica. Já é um homem com caracteres sexuais terciários desenvolvidos (uma barriguinha), mas ainda tem que inventar para o próximo cumprir sua rotina de relacionamentos.
Eu mesma cansei de ver! Qualquer resposta serve! Quem pergunta não está interessado em saber nada que realmente importa sobre você. É uma pergunta social. Meu marido, o Bilau, também acha igual. Para sanar a gana de quem não tem a menor criatividade para perguntar qualquer coisa diferente sobre sua vida, basta qualquer lorota.
‘’Qual a sua especialidade?”, “Vai fazer o quê?”, “Você tem cara de Saúde Pública!”, “Obstetra?”, “Clínica ou Cirurgia?”, ‘’E o mercado para Pediatria?”, ‘’Você é meio maluco... porquê não Psiquiatria?”, e tantas outras perguntas-padrão! Só muda a roupa do mofo! Todos os dias, no mínimo três vezes... esta é a quota diária de isquemia nas idéias que meu companheiro de adjacência tem que agüentar. Quase como uma prescrição médica do mal:
Tome ‘’Qual a sua especialidade? ®”, Via Retal, 3x/d, por 6 anos de sua vida, e ficará uma pessoa curada! Curada de ser imprevisível, curada da paixão pelo incomum, curada da ousadia de buscar outros caminhos possíveis! Ao persistirem os sintomas, procure auxílio de um prático que lhe drene estas características ou aumente a dose da medicação . Par efeito esperado da droga: impotência!
Ato contínuo, ele sente-se impotente e confessa suas dores: ‘’- Saculéia, não é possível! Eu ouvia a fama do Fundão, um lugar de mentes brilhantes! Perspicazes! Estou decepcionado... decepcionado! São poucos os que conseguem formular uma pergunta verdadeiramente inteligente, e não a maioria como a fama do Fundão sugeria! A maior parte dos encéfalos daqui só sabe vomitar o que leu nos livros-textos ou demais referências, e quem mais vomita em um papel vazio ganha nota máxima! Eis o critério de inteligência adotado nesta ilha! Náuseas e vômitos! Náuseas e vômitos!
‘’- Saculéia, minha companheira de sacolejos, não dá mais! Não dá! Meu berço é linhagem forte, é pensamento grego! Não consigo tolerar obscenidades intelectuais deste porte... e parece que o mundo todo está assim! Ah! Vamos partir, vamos partir para Pasárgada! Ou melhor, para a Terra do Nunca, lá nunca mais perguntarão ‘’Qual a sua especialidade?’’ ou perguntas da mesma estirpe!’’
Tentei demovê-lo da idéia, tentei dizer que nada adiantava a irritação e a desesperança. Mas ele realmente parecia obcecado. Determinado até o talo em deixar este mundo. Dizia em voz alta, para todos os vizinhos ouvirem (até os chatos e pentelhos do 501!) que ‘’perguntas-padrão restringem horizontes, e não os expandem!’’. Parecia um louco ensandecido. Não demorou e o sono chegou, trazendo a tranqüilidade e o silêncio para a mentezinha perturbada dele. Fiquei insone e não dormi nada naquela noite áspera.
Hoje acordamos juntos, e depois da viagem matinal para o mictório, ele olhou em meus ovos e disse: ‘’Estamos nos mudando para a Terra do Nunca”. Não disse outra palavra. Apenas foi arrumar as malas. Fiquei pasma, com tristeza inconsolável! Não queria fazer ou pensar nada, estava em franca depressão. Mas quando tudo era desespero, a ética Kantiana do dever me levantou e inspirou a escrever este textículo para ajudar os que ficam. Que possam encontrar um consolo nestas linhas. Se nem isso conseguirem, fica aqui o convite: venham para a Terra do Nunca também. Esperamos vocês lá.

Sinceramente e já com saudades,

Saculéia Pinto Leite 19/06/2008

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