domingo, 10 de maio de 2009

Ishmael e a Caça a Reyna (ou Moby Dick do Século XXI)

Parte VI: O Embate Final

Todos procuravam sob o espelho d’ agua. Nada. Os botes ficavam em circunavegação para não virarem alvos fáceis de um possível ataque. Mandíbulas advindas do Tártaro! Um fim que ninguém queria. A qualquer momento agora. 16:00 no relógio. Ah, Reyna! Venha para a superfície! Venha, caralho! Aye! Sua vagabunda do mar! Te espero!
Enquanto blasfemava impropérios, não notei a sombra azul que avolumava bem abaixo do meu bote. A tripulação do Victory mexia os braços em desespero e gritava, saia daí! Saia daí! E eu sem compreender o tresvario. Meu bote foi lançado para o ar, enquanto a baleia saltava vingativa. Meu corpo irrisório decolou 15 metros de altura e encontrou o chão duro do mar. http://www.flickr.com/photos/raphie/2052477420/
Que dor! Os dois arpões AQUARIUS e PRÍNCIPES & PRINCESAS TUPINIQUINS caíram ao meu lado, e logo começaram a afundar. Me agarrei neles enquanto Reyna abria a bocarra e – à semelhança de Jonas da Torah – deglutia meu ser agoniado. Fui sendo arrastado sem piedade pela força do abismo e, mesmo rasgando sua língua com meus ferrolhos, fui jogado dentro da sua garganta profunda e negra.
Trazia uma lanterna de mar, que iluminava longe. Pude ver o interior da barriga do Leviatã:
http://www.flickr.com/photos/37201262@N03/show/with/3425022057/
Vi corpos putrefatos e alguns baleeiros agonizando. Logo percebi que este seria meu destino se não conseguisse sair. Nunca fui Cristão de fé, mas sabe como é: em desastre de avião, menstruação atrasada ou quando na barriga de uma baleia... não existe ateu. Recitei alguns versos da minha infância no Rio de Janeiro, em forma de cantiga de ninar
As costelas e os terrores na baleia
Cobriram-me de uma escuridão lúgubre
Enquanto as ondas iluminadas pelo Senhor
Arrastavam-me para o fundo do abismo.

Eu vi a boca aberta do inferno,
Com as suas dores e pesares infinitos;
Só quem sentiu pode saber –
Oh! Afundei-me no desespero!

Na minha angústia chamei pelo Senhor,
Que mal podia crer que fosse meu,
Ele prestou ouvido às minhas queixas,
E a baleia me pôs em liberdade.

Acudiu sem demora em meu socorro
Como se transportado por um golfinho radiante;
Brilhou na água como um raio
O rosto do meu Libertador terrível e divino.

No meu canto sempre vou recordar
Esta hora terrível e magnífica;
A glória é do meu Senhor,
Sua é a força, e é Sua a misericórdia.

Repeti umas cinco vezes esta porra, dando ênfase ao verso “E a baleia me pôs em liberdade.”!!!, com direito a “Abre-te-sésamo!” e tudo, mas em vão. A corna aquática mantinha-me cativo. Comecei a enlouquecer, falar sozinho. No ventre da baleia, as paredes gástricas pareciam uma tela de cinema de humor ácido. De súbito, três cabeças surgiram na mucosa gástrica e começaram a me entrevistar. Aquela imagem difusa de início tomou forma nítida: eram três juízes no meu particular Juízo Final. Uma senhora de 70 anos que era CEO de uma empresa no ramo das indústrias farmacêuticas, um homem de 45 anos presidente de uma NGO internacional com atuação em vários países, e uma morena rechonchuda nos seus 30 anos, que já tinha ganhado o fellowship no passado. A halucinação perguntava-me tudo sobre a idéia “Luz, Câmera... Ação em Saúde!”, meu trabalho em Piraí, quem eu era, sobre a escola de curandeiros do Fundão, sobre meu futuro curso na NYU, porquê eu deveria ganhar um tal de Fellowship, quem eram meus parceiros nesta empreitada (nesta hora respondi “Bacana” e “Carol” em Inglês, foi muito engraçado), enfim: um pesadelo confuso de perguntas e respostas.
Porém mandei bem. Estava afiado, os arpões estavam afiados. Percebi que ficar orando não adiantaria picas. Lembrei dos meus conhecimentos de anatomia da M1, e fui escalando de volta para o esôfago da criatura, utilizando os dentes dos arpões. Cada ferroada gerava um jato de sangue e contrações frenéticas da baleia. Quando finalmente atingi o meio do esôfago, lacerei a mucosa e pude enxergar, gigante, o coração de 908kg em seu trono. Olhei para meu melhor arpão, o PRÍNCIPES & PRINCESAS TUPINIQUINS, e enterrei sem piedade a arma no órgão vital. Não sei qual câmera cardíaca atingi: seja lá qual, foi em cheio.
O Leviatã emitia ruídos piores do que o próprio Belzebú, enquanto acorria para a superfície em busca de ar. Emergiu e vomitou o conteúdo estomacal, e aquela onda bizarra expulsou-me do interior de Reyna. Usei o arpão AQUARIUS para me prender no casco do Victory que estava por perto, enquanto Moby Dick submergia no azul escarlate do mar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário