domingo, 10 de maio de 2009

Ishmael e a Caça a Reyna (ou Moby Dick do Século XXI)

Parte II

(Ishmael está no avião. Turbulência forte, classe econômica)

Não olhei para baixo. O pássaro AA metálico remelexia muito, estavamos próximos de um furacão tropical. Meu frombis piscava apavorado, a barriga em franca agonia; seria o serviço de bordo ou a expectativa da queda, do abismo, da morte? Não tinha a resposta, e talvez nunca a teria. Foda-se também, não estou nem aí para respostas: sempre fui um homem de perguntas. Muitas perguntas! Elas é que abrem horizontes, ao invés de cercear possibilidades. Fechar. Fechado. Cuidado. Aqui jaz um intelecto. Por isso, sempre amei as perguntas... afinal quem não sabe perguntar não sabe responder. Toda aquela balbúrdia parecia meu estado de alma. Como a vida encontra meios humorísticos de nos colocar no nosso lugar!... pássaro de aço no olho do furacão! Ah, quem diria! mas naquela hora, caros amigos, não tinha retorno. Nunca há. ´´Feche os olhos e sorria de soslaio!``, pensei; que a morte me encontre rindo! Mas é incrível como ficamos mais medrosos para vôos celestes à medida que o tempo passa. Quanto mais velhos, parece que nos tornamos mais inflexíveis, rijos, tensos. A alegria já não faz parte dos minutos. - ´´Leveza é coisa de gente que não é séria!``, já cheguei a ouvir em alguns portos sombrios e miseráveis. Quanta merda! Seriedade não tem nada a ver com sisudez! Iemanjá minha mãe-sereia, tenha piedade desses adultos, cópias inquebrantáveis do cidadão de bem! demiurgos da honra e do sucesso! Alas! Alas! Tenha piedade, pois eles tem muitas promessas... o mar segredou pra mim, sabe mãe-sereia, que a vida teima em nos fazer andar fora da linha dos planos. Brigamos com ela. Brigamos feio. Pouco a pouco, a brisa já não leva a imaginação para longe, e aos poucos vamos perdendo a capacidade de sonhar. Culpa da terra, culpa da terra: ela nos prende em raízes secas. Por vezes até raízes úmidas, gangrenadas; muita terra gera lama em nosso coração. Toda vez que começo a me sentir assim, pantanoso, busco o mar. Salve as sereias, salve as ondas, salve - é claro - as baleias, salve o Betão (que Poseidôn o tenha), salve o mar! Ah, Lembro dos dias em que passava horas na proa, sentindo a vida à barlavento das minhas preocupações, pensando na tristeza dos homens do asfalto....................(PA) - ´´Welcome do John F. Kennedy International Airport; thanks for flying AA. Please remain seated and buckeled up while the plane is still in motion. Please refrain from opening the overhead compartment without......`` o pássaro havia chegado. Fazia frio e suas penas estavam gastas pela temperatura. Desembarquei. Peguei uma carro-agem amarela-ovo e fui à estalagem que iria abrigar meu corpo naquela noite. ´´Hospedagem Da Mammis``, dizia o letreiro. Bom, o nome era sedutor. Entrei sem demora. Pedi um quarto, foi-me arranjado de imediato um. A proprietária, uma doce mulher nos seus cinquenta anos, fazia todo o cerimônial para o neo-hóspede. Agradeci a cortesia, falei que não queria jantar, que somente queria repousar o espírito. Ela então retirou-se delicadamente do quarto, desejou boa noite e fechou a porta atrás de si. Deixei a esfarrapada sacola náutica no canto, com todos os meus poucos pertences de valor - meus amigos, minha família, meus amores, meus discos, minha poesia, meus princípios e valores, minhas memórias, meu presente e meus devaneios de porvir. Minha alma é leve e viaja leve, caros forasteiros. Deitei. Só recobrei os sentidos com o sol da manhã seguinte.

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